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Ponto Cruz, Pintura de Agulha, Realismo e Nicolas Cage

O ponto cruz é sem dúvida o estilo mais popular de bordado. É uma técnica que a maioria das pessoas conhece, que tem uma maior número de pessoas praticando e que as pessoas tem mais acesso em casa. É, ao mesmo tempo, a técnica menos popular de todas. A que as pessoas menos se impressionam, mais ignoram e dão menos valor. É o contrário da pintura de agulha - tanto em técnica, estética e reconhecimento.

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A pintura de agulha é uma técnica que menos pessoas reconhecem pelo nome, que a gente tem menos acesso no dia a dia. É a técnica que eu sinto que as pessoas mais se impressionam e valorizam, principalmente quando se trata da pintura de agulha realista. Eu vejo isso no meu próprio trabalho. Os comentários e elogios que meus bordados realistas recebem são superiores a qualquer outro. É o que as pessoas se referem como: "arte", como se fosse algo mais "elevado". E isso sempre me causa um certo incômodo.

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Me incomoda como o realismo é superestimado no mundo da arte, de uma forma geral. Não tenho nada contra arte realista (tenho até bordados que são, rs), mas vejo o realismo muito mais como uma técnica acima de qualquer outra coisa. Vejo mais como um meio, não um fim. Não quer dizer que eu não valorizo o resultado final, valorizo muito, até mesmo porque eu sei o trabalho que dá, mas... ser realista, ou até mesmo bonito, são as coisas mais interessantes que uma coisa pode ser? Será que são as coisas mais interessantes que a gente tem que buscar no que a gente produz e no que a gente consome? 

Ouso dizer que são na verdade as coisas menos interessantes.  

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É fácil de entender, a gente vê uma obra realista e consegue avaliar se ela é boa ou não, sabe exatamente o que ela é, ao que ela se propôs e se foi bem sucedida. Se bem que, tirando a parte de ser realista, todo o resto também se aplica ao ponto cruz do pombo que eu escolhi pra ilustrar esse texto. Então tem mais coisa aí, né? Parte da resposta tá no primeiro parágrafo. Tudo que é mais popular e acessível já é automaticamente... "rebaixado"? Desvalorizado? Desdenhado? (escolha seu sinônimo).

Mas tem também a percepção da complexidade. Quando a gente olha o realismo, a gente pensa na técnica, nos detalhes e na dificuldade que a gente teria em fazer. Já com o ponto cruz, é o inverso. A forma é simples, você provavelmente conhece alguém que borda ou bordava (provavelmente uma mulher mais velha) e você tem um gráfico pra te guiar. O GRÁFICO. Pro ponto cruz existir, primeiro tem que existir o gráfico. Basicamente uma arte em pixel, mas analógica. É a parte do ponto cruz que quem não borda não vê. É o trabalho que existe antes do bordado acontecer. E, quem sabe, talvez seja mais interessante simplificar um desenho de forma que ele continue reconhecível do que reproduzir exatamente o que ele é no mundo real.

Dominar o realismo pode ser mais demorado e trabalhoso. Mas se você der uma foto de um pombo pra dez artistas realistas experientes, os resultados vão ser praticamente idênticos. Porque o objetivo é esse - ser igual a foto de referência. Agora pede pra 10 pessoas criarem manualmente um gráfico de ponto cruz de um pombo e você vai ter 10 abordagens e 10 gráficos diferentes. E isso não é maravilhoso?

É muito legal também se deparar com uma coisa que desafia nossa concepção do que ela deveria ser. Às vezes a gente pode achar feio, às vezes pode demorar um pouco mais pra gente entender, e às vezes a gente nem vai entender mesmo. Um desenho de pombo pode ser muitas coisas além de um pombo perfeito. Nem sei direito onde eu quero chegar com esse texto. Acho que eu só quero dizer que eu amo e defendo o ponto cruz, que tem coisas mais interessantes que beleza e realismo e que eu escolho a atuação do Nicolas Cage à atuação do Kieran Culkin em qualquer filme, sempre.  

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#arte manual #bordado #ponto cruz